O Retorno do Lobo-Terrível e as Fronteiras da Genética: O Futuro da Desextinção e o Sonho do Mamute

Há mais de 10 mil anos, o lobo-terrível (Aenocyon dirus), um predador imponente das Américas, desapareceu junto com as grandes presas da Era do Gelo, como bisões e cavalos selvagens. Popularizado pela série Game of Thrones, onde inspirou os lobos gigantes da Casa Stark, esse canídeo robusto, com mandíbulas poderosas e pelagem densa, voltou a ser notícia em 2025, não como ficção, mas como um marco da biotecnologia. A startup americana Colossal Biosciences anunciou a criação de três filhotes — Rômulo, Remo e Khaleesi — que seriam os primeiros lobos-terríveis “desextintos”, gerados por edição genética a partir de DNA fóssil. Esse feito, embora envolto em controvérsias, abre portas para ambições ainda maiores, como a recriação do mamute-lanoso e outras espécies perdidas. Mas o que isso significa para o futuro da genética e da biodiversidade?


O Lobo-Terrível: Um Passo Tecnológico ou Hype Científico?

A Colossal Biosciences, fundada em 2021 pelo empreendedor Ben Lamm e pelo geneticista George Church, utilizou DNA extraído de fósseis — um dente de 13 mil anos e um crânio de 72 mil anos — para sequenciar o genoma do lobo-terrível. Comparando-o ao do lobo-cinzento (Canis lupus), seu parente mais próximo, a empresa identificou diferenças genéticas responsáveis por traços como pelagem clara, musculatura robusta e crânio alargado. Usando a técnica CRISPR, os cientistas editaram 20 regiões em 14 genes de células de lobos-cinzentos, criando embriões implantados em cadelas que serviram como mães de aluguel. O resultado? Três filhotes saudáveis, exibidos em fotos que correram o mundo.

No entanto, a comunidade científica está dividida. Para a Colossal, trata-se da primeira desextinção bem-sucedida, com os filhotes expressando características fenotípicas (aparência e estrutura) do lobo-terrível. Beth Shapiro, bióloga da empresa, defende que recriar o fenótipo é suficiente para considerar a espécie “ressuscitada”. Mas críticos, como o ecólogo Corey Bradshaw, da Universidade Flinders, argumentam que os animais são apenas lobos-cinzentos modificados, não réplicas exatas. “Isso faz deles lobos-terríveis? Não. Faz deles lobos-cinzentos ligeiramente alterados? Sim”, disse Bradshaw à Reuters. A ausência de publicações revisadas por pares e detalhes técnicos reforça o ceticismo, com alguns acusando a empresa de priorizar marketing sobre ciência.

Além disso, questões éticas emergem. O zoólogo Philip Seddon, da Universidade de Otago, aponta que esses animais vivem em uma reserva controlada, sem acesso a habitats naturais ou dietas ancestrais. Como reintegrá-los a ecossistemas que mudaram drasticamente? E qual o impacto de introduzir predadores extintos em ambientes modernos? A Colossal sugere que grandes predadores, como o lobo-terrível, podem equilibrar ecossistemas ao controlar populações de presas, mas a viabilidade prática permanece incerta.


O Mamute e o Horizonte da Desextinção

O projeto do lobo-terrível é apenas o começo. A Colossal tem metas mais ambiciosas, com o mamute-lanoso (Mammuthus primigenius) no centro de suas atenções. Extinto há cerca de 4 mil anos, o mamute é visto como um candidato ideal para desextinção, não apenas por seu carisma, mas pelo impacto ecológico que poderia ter. A empresa planeja criar filhotes até 2028, editando genes de elefantes asiáticos (Elephas maximus) para inserir traços de mamute, como pelagem densa e adaptações ao frio. Em 2024, a Colossal já apresentou camundongos geneticamente modificados com pelos semelhantes aos do mamute, um passo inicial que demonstra progresso.

A justificativa para trazer o mamute de volta vai além da curiosidade científica. Durante a Era do Gelo, esses gigantes ajudavam a manter pastagens na tundra siberiana, removendo musgo, derrubando árvores e fertilizando o solo. Hoje, o aquecimento global acelera a liberação de carbono na tundra, e a Colossal argumenta que mamutes poderiam restaurar esse equilíbrio, reduzindo emissões. Além disso, as técnicas desenvolvidas — como edição multiplex de genes e clonagem menos invasiva — poderiam fortalecer espécies ameaçadas, como elefantes modernos, contra mudanças climáticas e doenças.

Outras espécies na lista da Colossal incluem o dodô (Raphus cucullatus), extinto no século XVII, e o tigre-da-Tasmânia (Thylacinus cynocephalus), desaparecido em 1936. Cada uma apresenta desafios únicos: o dodô carece de parentes próximos para edição genética, exigindo avanços em manipulação de aves, enquanto o tigre-da-Tasmânia, um marsupial, demanda expertise em biologia reprodutiva específica. A empresa também clonou lobos-vermelhos, uma espécie criticamente ameaçada, sugerindo que a desextinção pode coexistir com esforços de conservação.


Promessas e Perigos da Genética Futura

A Colossal Biosciences, avaliada em US$ 10 bilhões e com US$ 435 milhões arrecadados, representa uma nova era na biotecnologia. Suas técnicas, apoiadas por ferramentas como CRISPR e inteligência artificial para análise genômica, prometem avanços em áreas como medicina, agricultura e conservação. Por exemplo, a edição genética pode criar espécies mais resistentes a doenças ou mudanças ambientais, enquanto úteros artificiais, testados para mamutes, poderiam revolucionar a reprodução assistida.

Mas os riscos são igualmente grandes. O ecólogo Stuart Pimm, da Universidade Duke, critica a desextinção como “exibicionismo tecnológico” que desvia recursos da proteção de espécies vivas. “Criar a expectativa de que a biotecnologia pode reparar os danos à biodiversidade é prejudicial”, escreveu ele. Alterações genéticas podem ter efeitos imprevisíveis, como desequilíbrios ecológicos ou sofrimento animal. Além disso, a falta de habitats adequados levanta a questão: onde esses animais viverão? A tundra moderna não é a mesma de 10 mil anos atrás, e conflitos com populações humanas, como os enfrentados por lobos-cinzentos em Montana, sugerem desafios políticos e sociais.

A bioética também entra em cena. O filósofo Jay Odenbaugh questiona se recriar espécies é arrogância humana ou responsabilidade moral. “Se causamos extinções, temos o dever de revertê-las?”, indaga. Para a Colossal, a resposta é sim: Beth Shapiro chama a desextinção de “imperativo moral” para corrigir danos causados pelo homem. Mas críticos alertam que a mensagem de que a extinção pode ser revertida pode reduzir os esforços para preservar a biodiversidade atual.


Um Futuro com Lobos e Mamutes?

O caso do lobo-terrível é um divisor de águas, não pela certeza de sua desextinção, mas pelo que revela sobre o potencial — e os limites — da genética. A Colossal Biosciences está reescrevendo as regras do possível, mas também enfrenta o peso das expectativas. Seus filhotes, com uivos que ecoam um passado remoto, são símbolos de esperança e controvérsia. O mamute, com sua promessa de restaurar ecossistemas, pode ser o próximo capítulo, mas apenas o tempo dirá se a ciência pode, ou deve, trazer o passado de volta à vida.

Enquanto isso, o debate continua: estamos reconstruindo a natureza ou apenas brincando de deuses? Uma coisa é certa: a genética está avançando mais rápido do que nossa capacidade de prever suas consequências. O lobo-terrível voltou — ou algo muito parecido com ele. O mamute será o próximo?


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